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segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O sentido das ONGs no Brasil de hoje



As manifestações que eclodiram no Brasil nos últimos meses trazem possibilidades e desafios para o país. O que mais se destaca, além da tão comentada “crise de representação” das instituições —especialmente estatais — é o questionamento acerca do papel da “sociedade civil”.

Entendemos que a melhor forma de defini-la passa pela sua distinção em relação às outras duas instâncias hegemônicas: o Estado, estrito senso, e o mercado. No primeiro, apresenta-se o aparato de poder que regula o espaço público e a relação entre os sujeitos sociais, inclusive em âmbito privado: definição sobre o casamento, sobre o uso do corpo, no caso do aborto, definição de drogas legais ou ilegais etc. No caso do mercado, temos as organizações orientadas, acima de tudo, pela busca do lucro.

A sociedade civil reúne as organizações que buscam ampliar os direitos de diferentes grupos; não se orientam pelo lucro, mas pelo benefício público, e não fazem parte do Estado, embora busquem influenciar as políticas deste. Nesse campo estão os “movimentos sociais”; as Organizações Não Governamentais (ONGs), nome marcado pela imprecisão e ambiguidade, já que se define pela negação; os “coletivos sociais”, que não têm estatuto jurídico formal e buscam atuar, em geral, na mobilização pública em torno de bandeiras específicas; e, por fim, as fundações de empresas privadas ou estatais, que têm o conceito de “responsabilidade social” como referência.

A diferença fundamental entre os movimentos sociais e as ONGs é o fato de os primeiros se apresentarem como formas de representação de algum segmento social — sem terra, mulheres, negros, LGBTs etc. As ONGs, por sua vez, falam apenas por si mesmas. Isto é, não atuam como representantes de coletivos sociais, embora possam focar sua atenção na defesa de direitos de variados grupos. Estas experiências institucionais ganharam evidência nos anos 1970 e se difundiram pelo país nas décadas seguintes. Tinham como missão inicial prestar assessoria aos movimentos sociais, extraindo destes sua legitimidade. Nos anos 1990, houve a afirmação institucional de tais entidades, que passaram a buscar autonomia em relação aos “sujeitos legítimos” de outrora.

Essas transformações, já no fim da década de 1990, foram acompanhadas por mudanças mais amplas e profundas, com o surgimento de novos modos de intervenção social, novos perfis de instituições, atuando com mais ênfase em locais como as favelas e periferias, especialmente no campo da cultura e defesa de direitos.

Nos anos 2000, sua visibilidade midiática e multiplicação começam a fazer com que as ONGs sofram questionamentos em relação a algo compreendido como “mandato” para representar, produzir e difundir conhecimentos ou propostas de políticas públicas para os territórios populares, em especial as favelas. Tais questionamentos surgem num quadro mais geral de disputas pelo protagonismo na representação legítima dos atores sociais e na relação com os organismos estatais. Nesse quadro, a postura mais usual é fazer-se uma distinção dicotômica entre os movimentos sociais e as outras organizações formalizadas da sociedade civil — todas identificadas como ONGs — e dirigir a estas críticas generalizantes: 

1) não seriam representantes dos grupos sociais — o que, de fato, não são e, em geral, não se dispõem a ser, embora caiba discutir se alguma instituição pode se colocar, atualmente, de forma confortável nesse lugar; 

2) seriam instrumentos para encolhimento do Estado — postura que pressupõe uma percepção de que a “coisa pública” seria exclusivamente estatal (visão “estadocêntrica”); 

3) seriam subordinadas ao Estado ou ao mercado, pois sobreviveriam de recursos dessas fontes — visão que não pressupõe a busca de autonomia das organizações e a abrangência dos campos de negociação e de contradições presentes nessas relações;

4) são compostas por membros das classes médias e\ou intelectuais que sobrevivem à custa da “miséria alheia” — posição que remete à legitimidade da ação e representação social e ignora, de modo elitista, as possibilidades autônomas de significação da vida e, especialmente, o grande número de ativistas oriundo das periferias que constituem as ONGs, tais como os próprios autores desse artigo;

5) por fim, a ideia que esses ativistas seriam “cooptados” e dedicados, por definição, a defender os interesses fundamentais dos setores dominantes — percepção que, mais uma vez, não reconhece as distintas posições políticas presentes na sociedade civil e o seu significado de campo de disputa de visões e práticas de mundo.

Evidencia-se a necessidade de que as organizações da sociedade civil produzam reflexões e definições mais precisas das características, papéis, sentidos e desafios presentes nessa instância social. Apenas dessa forma será possível superar os juízos estigmatizantes, dicotômicos e generalizantes, criando-se as condições para o reconhecimento de seus conflitos reais e a ampliação da sua potência na direção do que mais importa: o fortalecimento da democracia, a superação das desigualdades e o reconhecimento e legitimação das diferenças, na perspectiva de uma sociedade brasileira humana e fraterna.
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